sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Considerações Sobre Namorados, Por Drummond

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Aos Namorados do Brasil

Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem, perdem os ouvidos
para toda melodia 
 e só veem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?


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 Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados   
enquanto namorados. 
Antes, depois,   
são gente como a gente, 
no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez   
voltará à sublime invalidez   
 que é signo de perfeição interior. 
 Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP, INSS.


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Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.

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Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.   
De não ser. De estar, e nem estar.

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O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.

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 Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.

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Namorar é além do beijo e da sintaxe,  
não depende de estado ou condição.

Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,  
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas  
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
 "Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. 
Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
 (namoramor)
o velho, velho mundo renovado.

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Carlos Drummond de Andrade


 

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