domingo, 28 de fevereiro de 2016

Conselho


"Se eu posso te dar um conselho, eis aqui:
  Não mendigue atenção de quem quer que seja.

 Não se esforce para compartilhar minutos com quem está mais interessado em coisas que não te incluem. 

Não prolongue a conversa apenas para ter o outro por perto, quando você perceber que precisa se esforçar bastante para que o monólogo vire um diálogo.

 Esqueça. 

Prefira a sua solidão genuína à pseudo presença de qualquer pessoa. 

Ainda digo mais: 
Perceba que existem pessoas que curtem dividir a atenção contigo sem que você precise desprender esforço algum.

 Aproveite o que te dão de livre e espontânea vontade. 

Dispense o que te dão por força do hábito ou por conveniência. 

Esqueça o que não querem te dar.
 Cada um dá o que pode".

 Mario Calfat Neto 
  

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O Meu Olhar


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...


Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...


Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos"

Palavras


O mundo é um imenso jogo de palavras
Um poema é feito de palavras
Amores e desafetos são feitos de palavras
Palavras fazem a guerra e a paz
Palavras ditam livros e acordos
Palavras acariciam ou ferem


De palavras mudas o silêncio é feito
De palavras altas a justiça é proclamada
Tudo começa
Tudo se finda
Tudo se resume em palavras

Lou Witt

 

Mudanças

 
“Eu me pergunto se eu mudei à noite.
 Deixe-me pensar:
 Eu era a mesma pessoa quando me levantei hoje de manhã? 
 Acho que estava um pouco diferente. 
Mas se não sou a mesma, quem sou eu? 
Ah, esse é o grande enigma”!
 
 Alice no País das Maravilhas
 
 

Penso em Ti


Penso em Ti

Vai alta no céu a lua da Primavera
Penso em ti e dentro de mim estou completo.
Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.

Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,
Isso será uma alegria e uma verdade para mim.

Alberto Caeiro 
Heterônimo de Fernando Pessoa 
 
 

Amo como o amor ama



Quando te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não o fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro,
E com essas alegrias e esse prazer
Eu viria depois a amar-te.

 Quando,
Criança, eu, se brincava a ter marido,
Me faltava crescer e o não sentia,
O que me satisfazia eras já tu,
E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma estrada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é toda humana.

Tens um segredo? Dize-mo, que eu sei tudo
De ti, quando m'o digas com a alma.
Em palavras estranhas que m'o fales,
Eu compreenderei só porque te amo.
Se o teu segredo é triste, eu saberei
Chorar contigo até que o esqueças todo.
Se o não podes dizer, dize que me amas,
E eu sentirei sem qu'rer o teu segredo.

Fernando Pessoa

 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Quero


Quero frutas no pomar
Maduras
E tortas de maçã
Esfriando na janela
Pitangas vermelhas
E pássaro que canta
Em manhãs de sol

E quando não houver mais nada
No final do dia
Quero a paz do teu olhar
Em melodia
E o encanto das palavras
Em um poema

Lou Witt


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Quem Tivesse Um Amor


Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!

Quem tivesse um amor - longe, certo e impossível -
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!

Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado...

Quem tivesse um amor, sem dúvida nem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria...
Ah! quem tivesse... (Mas, quem teve? quem teria?)

Cecília Meireles

 

Como Eu Te Amo


Como Eu Te Amo

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua,

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;

Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;

Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a virtude e a Deus.

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, - mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. - Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.

O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!

Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem te eu revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

De mim não saberás como te adoro;
Não te direi jamais,
Se te amo, e como, e a quanto extremo chega
Esta paixão voraz!

Se andas, sou o eco dos teus passos;
Da tua voz, se falas;
o murmúrio saudoso que responde
Ao suspiro que exalas.

No odor dos teus perfumes te procuro,
Tuas pegadas sigo;
Velo teus dias, te acompanho sempre,
E não me vês contigo!

Oculto e ignorado me desvelo
Por ti, que me não vês;
Aliso o teu caminho, esparjo flores,
Onde pisam teus pés.

Mesmo lendo estes versos, que m'inspiras,
- "Não pensa em mim", dirás:
Imagina-o, se o podes, que os meus lábios
Não to dirão jamais.

Sim, eu te amo; porém nunca
Saberás do meu amor;
A minha canção singela
Traiçoeira não revela
O prêmio santo que anela
O sofrer do trovador!

Sim, eu te amo; porém nunca
Dos lábios meus saberás,
Que é fundo como a desgraça,
Que o pranto não adelgaça,
Leve, qual sombra que passa,
Ou como um sonho fugaz!

Aos meus lábios, aos meus olhos
Do silêncio imponho a lei;
Mas lá onde a dor se esquece,
Onde a luz nunca falece,
Onde o prazer sempre cresce,
Lá saberás se te amei!

E então dirás: "Objeto
Fui de santo e puro amor:
A sua canção singela;
Tudo agora me revela;
Já sei o prêmio que anela
O sofrer do trovador.

"Amou-me como se ama a luz querida,
Como se ama o silêncio, os sons, os céus,
Qual se amam cores e perfume e vida,
Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"

Gonçalves Dias


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Antes de Amar-te...


Antes de Amar-te...

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Pablo Neruda


 Antes de amarte, amor

Antes de amarte, amor, nada era mío,
vacilé por las calles y las cosas,
nada contaba ni tenía nombre,
el mundo era del aire que esperaba.

Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena,
en la arena...

Todo estaba vacío, muerto y mudo,
caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,

todo era de los otros y de nadie,
hasta que tu belleza y tu pobreza
llenaron el otoño de regalos.

Antes de amarte, amor, nada era mío,
vacilé por las calles y las cosas,
nada contaba ni tenía nombre,
el mundo era del aire que esperaba.

Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena,
en la arena...

Pedro Guerra


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Leveza


Leveza

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto, 
mais leve.
 
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
 
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

Cecília Meireles


Bordados


Com agulhas de prata
de brilho tão fino
bordai as sedas do vosso destino.
 
Bordai as tristezas
de todos os dias
e repentinamente as alegrias.
 
Que fiquem as sedas
muito primorosas
mesmo com lágrimas presas nas rosas.
 
Com agulhas de prata
de brilho tão frio...
ai, bordai as sedas,
sem partir o fio!


Cecília Meireles