Receita de
Mulher
É preciso que haja qualquer coisa de flor
em tudo isso.
É preciso que tudo isso seja belo.
É preciso que súbito tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada
E que um rosto adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche no olhar dos homens.
Ah, deixai-me dizer-vos que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e seja leve como um resto de nuvem.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não estará mais presente
Com seu sorriso e suas tramas.
Que ela surja, não venha; parta, não vá;
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber o fel da dúvida.
Oh, sobretudo que ela não perca nunca,
Não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade de pássaro;
E que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave;
E que exale
sempre o impossível perfume;
E destile sempre o embriagante mel;
E cante sempre o inaudível canto da sua combustão;
E não deixe de ser nunca a eterna dançarina do efêmero;
E destile sempre o embriagante mel;
E cante sempre o inaudível canto da sua combustão;
E não deixe de ser nunca a eterna dançarina do efêmero;
E em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação imunerável.
Vinicius de
Moraes
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