Além do Bastidor
Começou com linha verde. Não
sabia o que bordar, mas tinha certeza do verde, verde
brilhante.
Capim. Foi isso que apareceu
depois dos primeiros pontos. Um capim alto, com as pontas dobradas
como se olhasse para alguma coisa.
Olha para as flores, pensou
ela, e escolheu uma meada vermelha.
Assim, aos poucos, sem risco,
um jardim foi aparecendo no bastidor. Obedecia às suas mãos,
obedecia ao seu próprio jeito, e surgia como se no orvalho da noite
se fizesse a brotação.
Toda manhã a menina corria
para o bastidor, olhava, sorria, e acrescentava mais um pássaro,
uma abelha, um grilo escondido atrás de uma haste.
O sol brilhava no bordado da
menina.
E era tão lindo o jardim que
ela começou a gostar dele mais do que de qualquer outra coisa.
Foi no dia da árvore. A árvore
estava pronta, parecia não faltar nada. Mas a menina sabia que
tinha chegado a hora de acrescentar os frutos. Bordou uma fruta
roxa, brilhante, como ela mesma nunca tinha visto. E outra, e
outra, até a árvore ficar carregada, até a árvore ficar rica, e sua
boca se encher do desejo daquela fruta nunca provada.
A menina não soube como
aconteceu. Quando viu, já estava a cavalo do galho mais alto da
árvore, catando as frutas e limpando o caldo que lhe escorria da
boca.
Na certa tinha sido pela
linha, pensou na hora de voltar para casa. Olhou, a última fruta
ainda não estava pronta, tocou no ponto que acabava em fio. E lá
estava ela, de volta na sua casa.
Agora que já tinha aprendido o
caminho, todo dia a menina descia para o bordado. Escolhia primeiro
aquilo que gostaria de ver, uma borboleta, um louva-a-deus. Bordava
com cuidado, depois descia pela linha para as costas do inseto, e
voava com ele, e pousava nas flores, e ria e brincava e deitava na
grama.
O bordado já estava quase
pronto. Pouco pano se via entre os fios coloridos. Breve, estaria
terminado.
Faltava uma garça, pensou ela.
E escolheu uma meada branca matizada de rosa. Teceu seus pontos com
cuidado, sabendo, enquanto lançava a agulha, como seriam macias as
penas e doce o bico. Depois desceu ao encontro da nova amiga.
Foi assim, de pé ao lado da
garça, acariciando-lhe o pescoço, que a irmã mais velha a viu ao
debruçar-se sobre o bastidor. Era só o que não estava bordado. E o
risco era tão bonito, que a irmã pegou a agulha, a cesta de linhas,
e começou a bordar.
Bordou os cabelos, e o vento
não mexeu mais neles. Bordou a saia, e as pregas se fixaram. Bordou
as mãos, para sempre paradas no pescoço da garça. Quis bordar os
pés mas estavam escondidos pela grama. Quis bordar o rosto mas
estava escondido pela sombra. Então bordou a fita dos cabelos,
arrematou o ponto, e com muito cuidado cortou a linha.
Marina
Colasanti
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