O Clube do
Imperador
Assim como uma música apresentada de várias maneiras pode remeter a
sensações e emoções até díspares, em uma sala de aula, para a mesma
informação ou conteúdo, diferentes professores podem causar reações
distintas nos alunos, de acordo com sua postura e interação com a
classe, incidindo no aprendizado e no modo como o aluno vai se
relacionar com determinando conteúdo, sentindo-se motivado a
aprender ou passando a ter ojeriza, a detestar o que está sendo
ensinado.
Deste modo, o professor deve ter consciência de que pode vir a ter
um papel muito importante na vida de seus alunos, porquanto seu
comportamento e fala ficam muitas vezes gravados em suas memórias
por toda a vida.
Dirigido por Michael Hoffman, o filme “O clube do
Imperador” (2002), conta a história de William Hundert (Kevin
Kline), conceituado professor de História da Civilização Ocidental
Greco-Romana na Escola St. Benedict’s, tradicional internato
americano, bem como sua relação com uma turma de estudantes
adolescentes, especialmente o aluno Sedgewick Bell (Emile
Hirsch).
O filme começa com uma tomada aérea de um hotel de luxo, vista pelo
professor Hundert que está em um helicóptero. Já no quarto do
hotel, Hundert começa a refletir que, com o passar dos anos, uma
das coisas que teve certeza é que o caráter de um homem constrói o
seu destino. Pensa ainda que, embora comumente se acredite que a
história de vida de uma pessoa possa ser escrita antes de sua
morte, há exceções entre os grandes homens da História e ele não é
um deles. Considera-se simplesmente um professor que lecionou por
trinta e quatro anos e que, um dia, parou.
Hundert fora um professor totalmente dedicado ao seu trabalho, sua
vida girou em torno de sua profissão, de seus alunos e da St.
Benedict’s, cujo anseio era vir a ser seu diretor. Sério e
disciplinado, procurou transmitir aos alunos, pelos quais era
respeitado e temido, além do conteúdo da matéria sob sua
responsabilidade, valores éticos e morais pautados nos grandes
homens da Grécia e Roma Antigas.
Estava naquele hotel para participar da revanche do “Senhor
Júlio César”, evento promovido por Sedgewick Bell, um de seus
ex-alunos e, embora não soubesse ao certo porque aceitara o
convite, suspeitava que tivesse algo a ver com esperança. A partir
daí, começa a lembrar do ano de 1976 na escola St.
Benedict’s, um tradicional internato para rapazes onde, para
ele, reuniram-se os mais vitoriosos e influentes jovens de uma
geração, não obstante ele os tenha conhecido antes disso, como seus
alunos.
Uma tomada aérea, mais uma vez, desloca os acontecimentos para o
passado: o primeiro dia do ano letivo de 1976. Naquele dia, o
professor Hundert, em sua sala de aula, começa a fazer preparativos
para a recepção dos alunos: checa as condições dos móveis, alinha
as carteiras e deposita um exemplar do livro “A civilização
mediterrânea” sobre cada uma delas. Sua sala é decorada com
bustos e esculturas de Aristóteles, César, Augusto, Platão, Cícero,
Sócrates, entre outros que, para o professor Hundert, foram
gigantes da História, homens de profundo caráter, cujas realizações
duraram mais que suas vidas. Feita a organização, pára um pouco e
se concentra. Depois, vai ao salão nobre da escola para a aula
inaugural. Nesta solenidade, o diretor da St. Benedict’s diz
aos alunos que as palavras Non sibi ou “não para
si” resumem a filosofia da escola: a sabedoria adquirida deve
ser usada para ajudar aos outros, tanto quanto a si mesmo e
Finis origine pendet, que quer dizer “o fim depende
do início”, termos que são o lema da escola e estão gravados
no coração dos alunos, sob o brasão bordado em seus uniformes. Logo
depois, o professor Hundert recebe sua nova turma de alunos. Na
sala de aula, adverte-os de que a grande ambição e a conquista sem
contribuição não têm significado. Questiona-os sobre seus possíveis
contributos e como a história se lembrará deles.
Todos os anos, Hundert utiliza como recurso didático para a
aprendizagem de seus alunos um concurso chamado “Senhor Júlio
César” que os desafia com perguntas e atividades escolares
sobre a história da cultura romana. O evento, tradiçãoem St.
Benedict’s, consiste em duas etapas: a primeira é uma série
de testes da qual saem três finalistas e a segunda é uma prova
pública onde estes três ocupam o palco do salão nobre para, com a
presença de professores, pais e alunos, serem sabatinados sobre
Roma antiga. O vencedor é laureado Senhor Júlio César. A tradição é
tão forte que Martin Blythe (Paul Dano), um dos alunos da turma de
1976, traz para a escola uma grande responsabilidade: seu pai foi
Senhor Julio César e, no primeiro dia de aula, as últimas palavras
que lhe disse, antes de deixá-lo na escola, foram a pergunta e a
resposta com que venceu o concurso.
Por causa do concurso, os alunos do professor Hundert, inclusive o
próprio, vestem togas em algumas aulas buscando, de certa forma,
experimentar a história. O professor dá aula fazendo perguntas aos
alunos para conferir se estão lendo o livro didático adotado.
Certo dia, chega à classe do professor Hundert o aluno Sedgewick
Bell, o mesmo que no início do filme o havia convidado para uma
recepção no hotel. Bell é filho de um senador americano e, ao
entrar na sala, em tom jocoso, põe em causa o fato de que, se a
escola é para rapazes, por que estão usando vestidos. É o primeiro
aluno a questionar a metodologia de Hundert e tal fato, além de
surpreender a todos, desagrada ao professor que, sem entrar na
brincadeira, explica que estão usando togas, espécie de veste solta
usada pelos romanos antigos. Acrescenta que a toga era dada aos
jovens como sinal de sua passagem da meninice para a idade adulta,
em clara sugestão de que o novo aluno deve se comportar como um
rapaz. Indica-lhe uma carteira específica, mas Bell a recusa
dizendo que está bem no lugar que ele próprio havia escolhido. Isso
causa espanto nos demais alunos, acostumados a obedecer sem
retrucar. O professor Hundert não aceita, acontece um ligeiro
embate e, não obstante à sua vontade, o novato senta no lugar
indicado pelo professor que, ainda um tanto desconcertado pela
surpresa de ter sido enfrentado, diz que no dia seguinte encenarão
a peça “Júlio César” de Shakespeare e que Bell fará o
papel de Brutus.
Durante o almoço, incomodado pelo ocorrido em sua
classe, Hundert comenta com uma colega que o novo aluno parece um
visigodo. Na encenação da peça, advêm novos embates: Bell choca os
colegas, ao afirmar que “aquilo” não tem significado
para ele e diz que Brutus, “o mais nobre romano de
todos”, segundo o professor Hundert, é um
“covardão”. Os alunos riem e o professor, pela segunda
vez, está diante de quem o desafia. Para Bell, se Brutus tivesse
matado Marco Antônio teria sido imperador e, com este pensamento,
deixa claro que despreza a ética, enquanto prioriza a importância
de se vencer a qualquer custo. O professor rebate com Sócrates que
preferiu ser executado injustamente ao invés de infringir as leis
de Atenas às quais jurara obediência pois, para o filósofo,
“o importante não é viver, mas viver com retidão”.
Bell, então, debocha de Sócrates e de forma irônica o chama de
“gênio”.
Bell não se interessa pelas aulas de História que, ao contrário,
tem o maior significado para o professor. Dificulta os momentos de
estudo dos colegas, usa o uniforme com desmazelo, sempre quebrando
regras e contra tudo. Os demais alunos, ao contrário, decoram
palavras em latim e passam as tardes estudando em grupo. Apesar de
adolescentes, são compenetrados, atenciosos e receptivos a toda a
disciplina e ensino escolares. Vestem-se em estilo formal,
habitualmente com uma jaqueta que tem o brasão da escola bordado no
bolso, camisa e gravata. Na sala de aula, caso desejem fazer
perguntas ou tirar dúvidas, levantam a mão ao se dirigir ao
professor, de forma respeitosa.
Acostumado a com um simples olhar mandar os alunos arrumarem suas
gravatas sem ser contestado, Hundert é surpreendido, enquanto
escrevia na lousa de costas para os alunos, com o barulho de livros
fechando ao mesmo tempo, brincadeira coordenada por Bell. Chama-o
ao quadro e o humilha diante da classe, ao pedir que escreva em
ordem cronológica o nome dos imperadores romanos.
Como o aluno não
consegue, diz que até os insetos da sala sabem a resposta. Insiste
que ele mencione alguns imperadores, porém Bell faz brincadeiras:
ora diz que conhece apenas sete e cita os nomes de anões da Branca
de Neve, ora fala que sabe de quatro e elenca os nomes dos Beatles.
A sala inteira ri. O professor lhe dá um aviso do sábio
Aristófanes: “A juventude envelhece, a imaturidade é
superada, a ignorância pode ser educada, a embriaguez passa, mas a
estupidez dura para sempre”.
Para completar, pede à
classe que cite alguns imperadores romanos em ordem cronológica. Os
alunos, em coro, citam dezessete nomes até que o professor diz ser
suficiente e manda o aluno sentar.
Por causa deste episódio, Bell é chamado ao escritório do
professor. Vai com a gravata desarrumada e insinua que Hundert os
faz usar togas porque não é casado. Este lhe diz que procurará seu
pai. Mas o encontro com o senador Sedgewick Hyram Bell não foi como
Hundert esperava. O pai do aluno parece não prestar atenção, apesar
de o professor expor o motivo que o levou a procurá-lo foi o fato
de seu filho não se esforçar para aprender a matéria. O senador
pergunta qual a matéria ensinada e questiona seu real valor na vida
dos alunos. Quando Hundert responde que, através dos grandes homens
da história, sua função é moldar o caráter de seu filho, o senador
não aprova. Para ele, a função da escola e do professor é ensinar a
tabuada, porque o mundo é redondo, quem matou quem, quando e onde.
Quem vai moldar o filho é ele, seu pai. Entretanto, telefona para
Bell e lhe passa um sermão.
A partir daí o garoto chega na sala de aula cabisbaixo, mas o
professor percebe e vai ao seu quarto. Encontra o aluno prostrado,
olhando fixamente para o teto e lhe oferece o livro que usou em sua
época de colegial. Diz que o primeiro capítulo resume toda a
matéria do ano, mas o aluno nem lhe olha. O professor insiste que
está lhe emprestando o livro porque acredita que ele pode ser o
primeiro da classe e até vencer o concurso. Bell o encara surpreso,
embora nada responda. Porém, quando o professor sai, abre o livro e
começa a ler.
O concurso começa e o professor Hundert lê com especial atenção o
texto de Bell. Procura-o para entregar a nota e diz que ele passou.
Bell vai se interessando, lendo mais, pega livro emprestado na
biblioteca e estuda até durante o almoço. Na pré-classificação,
entre os dez colocados, fica em sexto lugar. Para a final, Martin
Blythe fica em terceiro lugar com 93 pontos e Bell em quarto com 92
pontos. Para não decepcioná-lo, Hundert reavalia sua nota:
inicialmente havia lhe dado A-, entretanto, para que fique em
terceiro lugar, garantindo a vaga para a final, corrige sua nota,
acrescentando um aparentemente simples traço vertical ao sinal de
menos e o transformando em um sinal de mais, ou seja, A+. Com a
divulgação do resultado, Bell fica radiante e Blythe, ao contrário,
vai chorar debaixo de uma árvore.
Na final, entretanto, Bell trai a confiança do professor e, diante
de um auditório cheio, aproveita a roupa romana com mangas largas
para inserir uma cola. O professor Hundert, ao perceber, fica
altamente decepcionado, mas não demonstra para a plateia. A saída
para que Bell não seja campeão é fazer uma pergunta que não estava
no livro de história que havia lhe emprestado. Assim, sem o auxílio
da cola, Bell fica em segundo lugar.
Hundert tenta ser diretor da St. Benedict’s e não consegue: é
substituído por um colega mais jovem e moderno, com novas técnicas
de gestão e captação de recursos para a escola. Decepcionado, pede
demissão. Fora da escola, não consegue trabalhar e nem escrever seu
livro. Sua vida era ensinar, era o que sabia fazer, por isso
resolve voltar.
Anos depois, recebe uma inesperada proposta: seu ex-aluno Sedgewick
Bell oferece uma grande quantia em dinheiro à escola para que o
professor Hundert participe de uma revanche do concurso Senhor
Júlio César em um luxuoso hotel. Mas era um jogo político: Bell
convidou todos os antigos colegas de classe para lançar sua
candidatura ao Senado, pois seu pai havia morrido e ele queria
assumir seu lugar. A revanche era um pretexto para reunir pessoas
influentes e contar com seu apoio.
Mais uma vez, quando estava fazendo as perguntas, Hundert percebe
que Bell está colando, agora através do uso de um ponto eletrônico
no ouvido. Após o ocorrido, confrontado pelo professor, Bell assim
justificou sua atitude: “Eu vivo em um mundo real onde as
pessoas fazem o que precisam fazer para conseguir o que querem. Se
estão mentindo, se estão traindo, então que assim seja”.
Entretanto, o evento serviu para uma reparação: o professor Hundert
vai falar com o rapaz que desclassificara anos atrás e lhe conta o
ocorrido, reconhecendo que errou. O antigo aluno o perdoa e, no
início de mais um ano letivo, leva seu filho para estudar com o
antigo mestre.
Trecho do artigo
“Saberes da Docência: Entre o Cinema e a
Literatura” escrito pela minha irmã
Isabela Gonçalves, doutoranda pela UFS (Universidade Federal
de Sergipe).
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