Terezinha
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista:
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broche de ametista.
Como quem vem do florista:
Trouxe um bicho de pelúcia,
Trouxe um broche de ametista.
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha.
Me mostrou o seu relógio;
Me chamava de rainha.
Me encontrou tão desarmada,
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
Que tocou meu coração,
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse "não".
O segundo me chegou
Como quem chega do bar:
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.
Como quem chega do bar:
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar.
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida.
Vasculhou minha gaveta;
Me chamava de perdida.
Me encontrou tão desarmada,
Que arranhou meu coração,
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse "não".
Que arranhou meu coração,
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse "não".
O terceiro me chegou
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer!
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher.
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito posseiro
Dentro do meu coração.
E antes que eu dissesse não,
Se instalou feito posseiro
Dentro do meu coração.
Chico Buarque
Terezinha
A
letra da canção "Terezinha" é inspirada na canção folclórica
"Terezinha de Jesus", numa versão mais adulta, mais madura, que
analisa não só o comportamento afetivo-sexual da mulher, como
também o desenvolvimento da maturidade afetiva
masculina.
Nesta
canção, há três homens que chegam em diferentes momentos, em
diferentes fases da vida do eu-lírico, que é feminino.
O
primeiro chega com um bicho de pelúcia e um broche de ametista.
Representa um amor de doação, já que não lhe negava nada, procurava
agradá-la, a chamava de rainha, numa alusão a um amor inacessível,
tal como ocorre nas cantigas de amor medievais. Há, neste caso, uma
nítida relação edipiana, revelada pelo bicho de pelúcia, que remete
à infância e à forma como o eu-lírico é amada. Note-se que o verbo
chamar está no pretérito imperfeito, que revela
uma ação passada, mas não acabada, o que sugere a continuidade da
relação, porém não no mesmo nível, pois o eu-lirico se assusta com
o sentimento, carregado de culpa pela ilicitude, e diz
não.
O
segundo representa uma atração e sentimento proibido, ilícito,
incestuoso (irmão?). É o amor tirânico, controlador, que nada traz,
a não ser uma garrafa de aguardente para o seu próprio consumo.
Existe um sentido implícito que remete à sexualidade, tanto na
garrafa como no conteúdo, mas prefiro analisar outros aspectos
desta relação. Ele a encontra desa(r)mada, a chama de perdida
(prostituta) e nada lhe entrega. Novamente o verbo
chamar está no pretérito imperfeito, como no
primeiro caso. E novamente ela diz não ao
sentimento que a atrai mas, ao mesmo tempo, causa aversão, medo,
sentimento de culpa...
O
terceiro é alguém que ela não conhece (ainda) e que sequer sabe
como se chama. Ele nada traz, nada pergunta, nada oferece, nada
pede. Simplesmente a chama de mulher, agora
no presente e com uma relação intríseca com o substantivo
chama, que remete à paixão, desejo,
sensualidade. Ele foge do círculo edipiano e torna-se um amor
permitido, que a realiza, que toma posse do seu coração.
Uma
boa noite, fiquem com Deus!
com
carinho
Isabel
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