Aos Namorados do Brasil
Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do
Brasil.
Será que namorado algum escuta
alguém?
Adianta falar a
namorados?
E será que tenho coisas a
dizer-lhes
que eles não saibam, eles que
transformam
a sabedoria universal em divino
esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma
coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só veem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria
fabricação?
Cegos,
surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados.
Antes,
depois,
são gente como a gente,
no pedestre
dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra
vez
voltará à sublime
invalidez
que é signo de perfeição
interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP, INSS.
Os
códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas
envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os
tratados
internacionais encolhem o
rabo
diante dele, em volta dele. O
tempo,
afiando sem pausa a sua
foice,
espera que o namorado
desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia
namorados
novos, renovados,
inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa
batalha.
Pois
namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso
inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de
namorar,
sob pena de viver apenas na
aparência.
De não ser. De estar, e nem
estar.
O
problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual
nenhum ensina,
e vai além de toda
universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina
não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir
que aprendeu,
por obra e graça de sua
namorada.
Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito
simples,
não intencional, nunca
previsto,
e dá ao gesto a cor do
amanhecer,
para ficar durando,
perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.
Namorar é além do
beijo e da sintaxe,
não
depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se
desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas
criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas
remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou
situação.
A limitação terrestre, que os
persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de
passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai
fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor
esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge!
Esquece!"
E os fracos esquecem.
Os tímidos
desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora
nascem
outros namorados para a
novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo
renovado.
Carlos Drummond de
Andrade
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